Um dia, ao caminhar sozinho à tarde,
Achei-me por abrigo amiga sombra
De uma castanheira antiga e fresca.
Adormeci, cansado da jornada,
E me senti levado por mil anjos
Em nuvens vaporosas, fumeantes...
Sonhei que ouvia o rio uma cantiga
Cantarolar, com voz de flauta-doce,
Enquanto desmanchava-se no solo...
Jamais ouvi cantiga mais tristonha,
E a ave enorme e funda que era a noite
Abria as asas, leves, finas, pretas,
Mantos, lagoas mansas e silentes...
A Lua era lutosa, alta chorava
Estrelas ofuscadas do seu brilho...
Semelhava a um cisne solitário
Na imensidão das águas, dissolvido
Nas ondas, ponteando indiferente...
E um ancião, atrás dum arvoredo
Já seco e esquelético, rodava
A corda do relógio do Universo.
No lumiar dos olhos vislumbrados,
Vi o nascer de árvores secretas,
De pomos suculentos e polidos...
Depois, as vi secarem. Vi nascerem
De novo, e outra vez, e vi que a vida
Era o suceder de ante-nascências...
Depois de soslaiar dos infinitos
Espaços do holograma da existência,
Acordo. E ainda via o turbilhão.
Não sei, por ser mortal, o que me fora
Contado nessa tarde de mistério.
Do vago que conheço e que suspeito,
Dizer não posso do sono da alma.
Los entering the grave, William Blake (entre 1804-20). Água-forte com aquarela, caneta e ouro,
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