Anúbis*
Nas vezes que o olhar dele fitei,
Tomei-me de horror descomedido
Por ver em sua face o sentido
De todas as ações que pratiquei.
Perdão, e como em Deus, vi colorido
A tez de Libra**, e um só ruído
Formou-se no gesto que observei.
Virou-se a mim e disse, grave em si:
- Vós, vivos, enquantos plenos de destreza
Esquecem-se de teus filhos e irmãos.
E quando, à porta, a morte bate, ali
Tentam se recordar de uma beleza
Que nunca deram, e se matam com as mãos.***
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Não há faca mais afiada que a vida,
Que se auto-mutila pelos anos;
Não há faca mais grã e dolorida
Que vós, pobres e imundos humanos!
El sangre que verte de tuyas manos
Es un sangre que llora sin medida
Que ni cubriendo con todos los paños
Ha de atar tán profunda herida.****
Mas pobres são vocês que não enxergam
Que eu não julgo, as luzes que lhes cegam
São seus atos em opostos sentidos.
Não se engane! Não, que a corda solta,
E toda ação sua um dia volta
Restando-nos somente os sentidos.
* Anúbis: Anpu, deus egípcio da morte e dos moribundos. É quem julgava os mortos.
** Tez de Libra: Balança.
*** Eles se matam.
**** O sangue que verte de tuas mãos/ é um sangue que chora sem medida / que nem cobrindo com todos os panos / há de atar tão profunda ferida.
2 comentários:
Jovem Mestre Gabriel Rübinger, que é conhecido de nossos amigos (e, em breve, da humanidade) vossos vários amplos talentos!
Mas dessa vez... Dessa vez... Não me recordo de um soneto tão impactante.
Ocorre que os olhos lancinantes daquele que pesa atemporal consciência são olhos que falam
Alto demais.
Muito legal ler versos que falam sobre um deus egípcio, confesso qua ainda não tinha lido um texto assim antes!
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