"Sacrifício de Isaac", óleo de 1603, pintado por Caravaggio.
I
Tênue luz, despojos remanescentes do século. Faces obsequiosas, ressequidas pela ânsia de invioláveis promessas. Ossos nus, álgidos passos, insólitos gestos sob um céu sem desígnios. Indelével cortejo de sentimentos proscritos. Lázaro, vossa remissão conclama o litígio dos exilados.
Primeira Estação
Porque no amor as glórias são vãs e toda sutileza um pormenor de injúrias consentidas.
“não soube dizer
que devia despedir-se.
Colocou sobre a mesa
a correspondência.
Não removeu o vaso,
como de costume.
Não fechou a porta ao sair.
Das convenções ignoradas,
a solitude de uma ausência
não esclarecida.
O derradeiro, o inconcluso,
isenta-nos do indulto
do esquecimento?
Certezas rudimentares.
A noite clareia os olhos do cego.
Se amas a verdade, resigna-te,
aceites o próximo e tua solidão”
Assembléia dos desvalidos
Meditação sobre ruínas:
Em seu convívio com o extremo
fruto algum será colhido.
Reclamas pela felicidade
em um mundo aliciado pelo passado.
II
"Depois disso, Deus provou Abraão, e disse-lhe: “Abraão!”. “Eis-me aqui” – respondeu ele. Deus disse: “Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar”.
Gn 22, 1-2
Gn 22, 1-2
Cicatrizes porosas, alarido obtuso, insigne. Na escadaria da catedral pedintes ingênitos sob a sórdida complacência de Moriá. Incandescente mar dos apátridas, vestígios incólumes, breviário das civilizações. É primavera e não há flores. Oh! Moloc! Vossa é a glória das desolações!
Segunda Estação
Porque vivemos nossas misérias como dádivas da ira.
“em tuas mãos,
os combalidos,
o desamparo das horas.
Vossa expectativa,
cálido leito da aurora.
As dilacerações da verdade,
o ofício de amar.
– Olhai e vede os lírios,
eles também apodrecem – ,
ao cruzarmos a ponte,
saberíamos do limiar de todo ensejo?
em tuas mãos,
os combalidos,
o desamparo das horas”
Assembléia dos desvalidos
Meditação sobre ruínas:
As dissidências do tempo.
Intermitente ânsia de sonhos.
Outrora luz, hoje esquecimento.
7 comentários:
Julguei interessante publicar este texto, o autor trabalhou nele ao longo do mês e possui aquela atmosfera dramática que muitos de nós também cultuam.
Além do mais, trata-se de um belíssimo exemplo de versos livres.
Deveras belo!
Utilização sábia e rigorosa dos versos livres, criando uma atmosfera de desespero nessa procissão de dores. Perfeita a relação entre a composição e o tema tratado.
Prezados, vossas palavras são verdadeiro incentivo à escrita poética. Minha gratidão!
Versos livres possuem sim autenticidade, porém devem ser bem cuidados.
Versoslivres! *-*...Arte, meus convivas! Arte!
Poema dramático aromatizado com as relações míticas, a primeira instância é um primor. Dentro da minha miopia, assim pude ver.
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