Como escrevi recentemente sobre a Escola Romântica, nada mais justo do que estudar as possibilidades de realizar hoje uma produção baseada nos moldes românticos. Seguem as características e comentários.
Ao contrário do que ocorre com outras escolas literárias, não há a necessidade de fundir todas as características para se obter algo com um ar romântico. Basta aderir a umas características e você produzirá algo do gênero.
- Forma: métrica e rima
O Romantismo não tinha predileção por sonetos, embora tenhamos belíssimas produções. Podemos compor sonetos com inspiração romântica sem problemas. Apenas, atente-se para que seu texto não fique com um ar gótico-parnasiano, o que também é ótimo, mas se seu plano consiste em realizar uma releitura do Romantismo, deve existir um apelo ao emocional, seguir outras características etc
Outra possibilidade no que tange forma é escrever com refrão em outro metro, mantendo uma regularidade na forma, isto é algo típico da época. Textos longos em versos livres ou heterométricos também são interessantes.
- Eu
Estamos estudando a escola literária do individualismo, portanto a visão totalmente egocêntrica e subjetiva é essencial para o poema. Utilizar termos como “meus amores”, “fizeste-me mal”, “eu estou sozinho” é algo importante a se lembrar, afinal, o egocentrismo não se estrutura somente em torno do pronome reto “eu” e sim também de outras marcas da 1ª pessoa como pronomes possessivos e verbos.
- Sentimentalismo e Idealizações
Virgens pálidas, príncipes encantados, belas adormecidas, sonhos azuis e coisas do gênero, com certeza, são características românticas. Uso de expressões como “Oh” “Ah” revelam a expressividade e o exagero.
O pessimismo ultra-romântico pode vir acompanhado de elementos da cultura gótica como cemitérios, soirées (o nome da "balada" da época), saraus, o próprio termo "balada" afinal, referências modernas podem revelar um outro tipo de releitura.
- Interação com a natureza
A melhor forma é colocando elementos da natureza de acordo com o estado de espírito do eu-lírico. Tempestades, dias de neblina, eclipses, trovões, o nascimento do Sol etc podem ser usados para complementar, compor a atmosfera do eu-lírico. Neste tópico, também fica subentendido o culto ao noturno. Fazer perguntas para os elementos da natureza é algo bem-vindo, mas pode tornar-se medieval se a tal pergunta ocorrer sempre no fim de estrofe, como uma cantiga.
- Passado
Lembranças, nostalgias, desejo de voltar no tempo são elementos muito próximos de nós e creio que combinam com a proposta romântica. Historicismo, medievalismo e indianismo podem dar a seu texto um ar típico do início do Romantismo.
- Religiosidade
Ao invés do conflito interno típico do Barroco, a religiosidade pode servir como consolo. Convém ler Gonçalves de Magalhães e Álvares de Azevedo.
ALGUNS POEMAS DA ÉPOCA
Versos Inscritos numa Taça feita de Crânio
Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie e terra aos ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus olhos.
Que renuncie e terra aos ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus olhos.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora e;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
Para ajudar os outros brilhe agora e;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as fontes geram tal tristeza
Através da existência - curto dia -,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
Através da existência - curto dia -,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
Lord Byron
Tradução de Castro Alves
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Álvares de Azevedo
Último soneto
Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!... Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.
Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
Álvares de Azevedo
Amor e medo
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Casimiro de Abreu
Este Inferno de Amar!
Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não no sei
Mas nessa hora a viver comecei…
Almeida Garrett
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não no sei
Mas nessa hora a viver comecei…
Almeida Garrett
RELEITURAS
SÚPLICA
Vem! Ó, noite! Debruça sobre mim!
recebe no colo teu sidéreo,
Nesse manto d'estrelas, tão etéreo,
Nesse manto d'estrelas, tão etéreo,
A minh'alma que triste vaga assim...
Aconchega nos braços teus sem fim,
Esta andeja, meu pobre ser cinéreo,
Que morrer quer no espaço teu aéreo,
No acetinado véu que é teu, enfim...
Minh’alma quer errar nos teus espaços,
E esquecer os amores deletérios...
Ó! Deixa-me vagar em ti, ao léu!
Vem! Desejo morrer-me nos teus braços,
Mergulhar nos teus astros, teus mistérios...
Vem! Ó, noite! E me encobre com teu véu!
Edir Pina de Barros
CRUZES MILENARES
"Cabalga en su sueño la mujer dormida,
cabalga en su sueño y es cabalgada.
En la selva, nadie la oye cuando chilla."
Isidro Iturat
cabalga en su sueño y es cabalgada.
En la selva, nadie la oye cuando chilla."
Isidro Iturat
Cavalguemos nos sonhos por velhos lugares
Confundindo a poesia com alvas visões
Enfrentando nos sonhos os duros vilões
E vivendo e cantando os saudosos pesares
Uma via mais sacra vai tendo seu fim
De perto ouço cantar o mais vil querubim:
"Pois tu vais viver para sempre em azares
Carregando nos ombros cruzes milenares..."
André Cretchu, Gabriel Rübinger,
Rommel Werneck e Ronan Fernandes
Doce Alvura
Yet one kiss on your pale clay.
And those lips once so warm
- my heart! my heart!
Byron
Porque me olhas assim, pálida alvura?
Com seus olhos de cálida aventura,
Palpitante me deixa.
E com seu canto puro de harmonia,
Deixa-me mais platônico de dia
E anoite não me beija.
Com sua têz sublime e branca assim,
Que um pálido desejo lança em mim
- Ansioso - a suspirar.
E com tua harmonia mui'santíssima
Deixa-me uma certeza muito íntima:
-que os céus nos juntará.
Fujamos, doce pálida inocente!
Para um lugar que todos nos entende
E que amam nosso amor.
Saiamos dessa terra de ódio enfim
E possamos viver só com esse fim:
Amar-nos e ao - SENHOR.
Ronan Fernandes
ANJO MORTO
Só e perdido na mais negra necrópole,
Encostado na cruz de um vil sepulcro,
Revelando um sorriso puro e pulcro
No mais distante ponto da metrópole.
Anjo defunto, corpo cadavérico...
Carnes magras, sublime e santo rosto
Em que o célere tempo deixou posto
Um grito morto, um canto forte e histérico.
Apetecido, surge ele tão vivo
Pra eu cometer meu próximo delito.
Dragão que se aproxima tão lascivo,
E me deixa perdido em mais conflito,
E crava em mim seus dentes diabólicos,
E vê graça em meus olhos melancólicos
Rommel Werneck
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Não escrevi muito porque penso que este assunto é mais fácil de compreender após a leitura de meu longo texto inicial, além do mais, muitos escritores de nosso blog já possuem uma boa caminhada com este tipo de releitura, portanto, faz-se mais necessário estudar com maior profundidade as outras escolas literárias.
Os estudos de História da Literatura serão compostos por um texto inicial sobre a escola literária, um texto sobre as possibilidades de releitura, uma roleta russa e por fim, textos da época como suporte além de análises, inclusive, o escritor Alves Rosa prometeu escrever uma análise.
10 comentários:
Ficou bom! Adoro esse "Amor e medo". Grata pela citação.Bjs
Também gosto muito de "Amor e medo".
Sério mesmo, Edir? Está bom mesmo? Vou lançar uma roleta logo logo
Derland, já te visitei e deixei comentários nas coisas belas que vi
Sim, sob medida. Nem mais, nem menos do que penso ser necessário. Que venham outros textos!
Obrigado, Edir. Espero ter contribuído.
Uma coisa que lembrei, mas que é um pouco óbvia por causa de ser aplicada também a outras escolas é que o Romantismo tem preferência pela metáfora enquanto o Arcadismo prefere a metonímia, porém esta observação se repete também com as outras escolas. Barroco também prefere metáfora....
Celebremos a Tradição! Para o bem da poesia!
Nestes tempos de individualismo e desamor, de vulgarização de textos que passam longe da poesia, de enclausuramentos perversos, de falta de "namoro" e sedução e valorização do encantamento, só nos resta celebrar a tradição, o romantismo, as emoções primárias e atávicas presentes na Humanidade desde o seu primevo vagido!
VIva o Romantismo!
Um amigo me disse que tudo o que temos hoje de tecnologia são invenções do século XIX, eletricidade, automóvel, ferrovias, mesmo os princípios da energia nuclear, portanto não é tão estranho assim fazer também poesia como naquela época.
Tenho sérios problemas com as forma fixas, por isso nem me atrevo.
Dois poetas que venero são do século XIX, Rimbaud e Baudelaire.
Obrigado, Edson. Venha nos visitar sempre!
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