sexta-feira, 18 de abril de 2014

Coroa de Sonetos - Via Sacra. Por Paulo Camelo




Equipe Poesia Retrô selecionou essa lindíssima coroa de sonetos confeccionada em 2003 por nosso amigo Paulo Camelo. Cada soneto da coroa é baseado em uma estação da Via Sacra. O ritmo utilizado foi o do verso heróico (tônicas nas sílabas 6 e 10), com sua variante de martelo agalopado, com tônica também na sílaba 3. Com apenas duas exceções, ambas em mudança de estrofe, a cada final de verso com paroxítona segue-se o início de outro com vogal, para que o ritmo se mantenha. O esquema rímico é o ABBA CDDC EFG EFG. 



Via Sacra

Quando Pôncio Pilatos condenou,
por dizer-se homem-Deus, o Nazareno,
o murmúrio no ar não foi pequeno
e um enorme clamor logo ecoou.

Condenado a pagar nosso pecado,
Ele deu por amor a sua vida
e marcou com suor a tez sofrida,
uma marca de dor no olhar cansado.

A pesar, sobre o ombro, enorme cruz
era o peso do homem pecador,
por quem veio o seu sangue derramar.

No Calvário, a sofrer, morreu Jesus
sob os olhos da mãe, tomada em dor.
E morreu por amor, pra nos salvar.

Paulo Camelo




Primeira estação - A condenação

Quando Pôncio Pilatos condenou
a morrer numa cruz o Salvador
e a coroa de espinhos fez-se dor,
uma vez Simão Pedro então negou

conhecer Jesus Cristo, o seu pastor,
e negou duas vezes inda mais.
Quando o galo cantou, perdeu a paz
e mostrou, com seu pranto, enorme dor.

A platéia clamou por Barrabás,
conhecido ladrão, e em seu lugar
indicaram Jesus, em coro pleno.

E Pilatos perdeu, então, a paz,
pois se viu compelido a condenar,
por dizer-se homem-Deus, o Nazareno.

Paulo Camelo


Segunda estação - Levando a cruz

Por dizer-se homem-Deus, o Nazareno
a morrer numa cruz foi condenado
e o pesado madeiro foi levado
em seu ombro. Seu rosto era sereno

apesar do trajeto ladeiroso.
Uma cruz sobre o ombro, em lento passo,
o suor denunciando o seu cansaço
e o olhar sempre calmo, majestoso.

Era o filho de Deus levando a cruz
que seria da morte o instrumento.
Era o Cristo Jesus, o Nazareno.

Em um trôpego passo ele a conduz.
Ao se ver vacilar por um momento,
o murmúrio no ar não foi pequeno.

Paulo Camelo


Terceira estação - Primeira queda

O murmúrio no ar não foi pequeno
ao sentir-se Jesus prostrado ao chão.
Pôs o joelho na pedra e com a mão
segurou o madeiro. Em tom sereno,

aguardou um momento, a descansar.
Sabedor dos costumes, já sentia
a feroz reação que então viria,
obrigando o seu corpo a levantar.

Mas manteve-se assim por um momento.
Ao sentir no seu corpo a chicotada,
arqueou-se, o seu corpo retesou

e se ergueu, apesar do sofrimento.
Apoiou-se na cruz, bem mais pesada,
e um enorme clamor logo ecoou.

Paulo Camelo


Quarta estação - Encontro com Maria

E um enorme clamor logo ecoou
pelas ruas estreitas da cidade.
O Senhor retomou vitalidade
e voltou caminhar, quando avistou,

com semblante de dor, um rosto amigo
infiltrado entre o povo que o seguia.
Era o rosto da mãe, era Maria,
e o semblante da mãe guardou consigo.

Um encontro calado, silencioso,
esquecendo o ferver da multidão
que sorria e gritava a todo o brado.

Era um último adeus, triste, nervoso;
o seu filho era Deus que estava, então,
condenado a pagar nosso pecado.

Paulo Camelo


Quinta estação - Ajuda do Cirineu

Condenado a pagar nosso pecado
e morrer numa cruz como um ladrão,
caminhava Jesus, o nosso irmão
e também nosso Deus, verbo encarnado.

Mas a força era humana, e lhe faltava.
Era longo o caminho a percorrer.
Cirineu, logo ali, viu-se em dever
e atendeu ao soldado que o chamava.

E, num gesto seguro, ergueu a cruz
e em seu ombro apoiou. E foram seus
os esforços no início da subida.

Em silêncio, a seu lado, ia Jesus.
Um murmúrio se ouviu: Ele era Deus;
Ele deu por amor a sua vida.

Paulo Camelo


Sexta estação - O gesto de Verônica



Ele deu por amor a sua vida.
Era longa e penosa a caminhada.
Um murmúrio de gente conturbada,
uma cruz sobre o ombro, uma subida...

O seu rosto era todo sofrimento,
era sangue e suor descendo ao chão.
A mulher se afastou da multidão
e chegou-se a Jesus por um momento.

Enxugou, na toalha, o seu suor
que descia da face sem parar,
em um gesto de amor, compadecida.

Outro gesto de amor fez o Senhor:
a toalha bendisse, em seu penar,
e marcou com suor a tez sofrida.

Paulo Camelo


Sétima estação - A segunda queda

E marcou com suor a tez sofrida,
e desceu pela face em rubra cor,
e voltou, lancinante e forte, a dor,
quando a força faltou-lhe na subida.

Outra vez foi ao chão, outra vez mais...
E sentiu chicotada, e ardeu-lhe a mão
que, na queda, levou de encontro ao chão,
mas manteve pra si todos seus ais.

Não soltou um gemido, embora o açoite
o forçasse outra vez a levantar
e levar sua cruz pelo arruado.

Era dia, era claro, e se fez noite
em seu rosto, incapaz, já, de ocultar
uma marca de dor no olhar cansado.

Paulo Camelo


Oitava estação - E consola as mulheres

Uma marca de dor no olhar cansado
era o mais que ele então transparecia.
O seu choro era interno e ninguém via
ou notava o seu verdadeiro estado.

Era o próprio homem-Deus que ali estava
a levar às mulheres da cidade
o consolo sereno em seu olhar
de um controle supremo e força brava.

Não havia uma lágrima em seu rosto
ao deitar nas mulheres seu olhar
de consolo e de amor, pleno de luz.

Retornou seu martírio então imposto,
em difícil subida, devagar,
a pesar, sobre o ombro, enorme cruz.

Paulo Camelo


Nona estação - A terceira queda

A pesar sobre o ombro, enorme cruz
era a marca cruel do seu castigo,
um pesado troféu por ter querido
acabar toda a treva e expor a luz.

O caminho a subir, acidentado,
aumentava o martírio de quem já
duas vezes caíra e, sem parar,
era exposto aos açoites, já cansado.

Outra queda ocorreu e, novamente,
ao tentar descansar, foi castigado
e ao suor se juntou mais rubra cor.

Sua cruz lhe pesava enormemente:
em seu ombro pesou todo o pecado,
era o peso do homem pecador.

Paulo Camelo


Décima estação - Despojado das vestes

Era o peso do homem pecador
a razão pra morrer em aflição
com as vestes jogadas pelo chão,
disputadas na mão de jogador.

Completando penosa humilhação,
e se vendo das vestes despojado,
o Senhor foi mantido desnudado
e levado a morrer como um ladrão.

E manteve-se o povo para ver
o martírio do Deus que se entregou
e viveu entre nós pra nos salvar,

e quis ver seu castigo até morrer
sem saber que era o povo pecador
por quem veio o seu sangue derramar.

Paulo Camelo


Velasquez
Décima primeira estação - Pregado na cruz



Por quem veio o seu sangue derramar
o Senhor Jesus Cristo no Calvário?
Ele foi acusado de falsário
em dizer-se homem-Deus pra nos salvar.

E o castigo era ser crucificado,
e por isso pregado foi na cruz
pelos punhos e pés. Ficou Jesus
assim preso, sem ter osso quebrado.

Entre dois criminosos colocado,
era enorme o sofrer, a sede e mais
a abertura no peito, o sol, a luz,

o vinagre na boca, o peito arfado,
e, trocado que foi por Barrabás,
no Calvário, a sofrer, morreu Jesus.

Paulo Camelo


Décima segunda estação - A morte na cruz

No Calvário, a sofrer, morreu Jesus
pra livrar do pecado a humanidade.
Ante a mãe, ante os homens da cidade,
ante João e os apóstolos, na cruz,

viu fugirem-lhe as forças e clamou,
numa última prece, ao Pai, a Deus,
ao sentir o abandono, ante os seus,
mas o povo entendeu, e o perdoou.

Dirigiu-se a Maria e a João
e lhes disse: eis teu filho e meu irmão.
Eis aí tua mãe, disse o Senhor.

Sem ter crime a pagar, por que foi réu,
sua vida entregou ao Pai, ao céu,
sob os olhos da mãe, tomada em dor.

Paulo Camelo


Décima terceira estação - A descida da cruz

Sob os olhos da mãe, tomada em dor,
e depois de tremenda tempestade,
o seu corpo, sem mais dificuldade,
é descido da cruz. Um seguidor

da doutrina do Mestre foi pedir
que seu corpo entregassem, pois Jesus
era um morto cravado em sua cruz,
sua voz não iriam mais ouvir.

Era início de noite, e logo então
o descanso obrigava a não mais ter
como o corpo descer. Sem demorar,

um lençol foi içado desde o chão
e envolveu o Senhor, que quis viver
e morreu por amor, pra nos salvar.

Paulo Camelo


Décima quarta estação - No sepulcro

E morreu por amor, pra nos salvar,
como estava previsto na Escritura.
O seu corpo desceu à sepultura
e dali não devia mais voltar,

mas aos seus prometeu ressurreição
aos três dias da morte e, como disse,
o sepulcro se abriu sem que alguém visse,
e foi ter com os amigos, seus irmãos.

Com o sepulcro entreaberto, alguém entrou
e só viu o lençol. Mas uma voz
confirmou: "O Senhor ressuscitou,

já não sofre na mão de seu algoz.
Completou seu período entre nós,
quando Pôncio Pilatos condenou".

Paulo Camelo

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