quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

MAGNAS EPÍSTOLAS: ABUSOS LITERÁRIOS, POR ROMMEL E NILZA






Nilza diz:

o que seriam abusos?


[c=#400040] L. Rommel [/c] diz:
HUm
vamos lá
no blog poesia retro
acabamos de lançar uma coluna
e eu ficaria honrado se vc participassse
É a coluna de leitores

Nilza diz:
abuso é escrever qualquer coisa e chamar de poesia?
é isso que quer dizer?


Nilza diz:
só que o que eu considero que não é poesia

Nilza diz:
pode ser para vc
isso é complicado



Conversa no MSN ocorrida na noite do dia 29 de dezembro de 2009 entre os sonetistas Nilza Azzi e Rommel Werneck. Segue abaixo a resposta de Rommel. Para quem desejar:


http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=20629


PÁGINA DE NILZA AZZI


http://recantodasletras.uol.com.br/autores/rommelwerneck


PÁGINA DE ROMMEL WERNECK






Cara Nilza Azzi, obrigado por tudo! Obrigado mesmo!




    Você tocou num assunto muito amplo e de extrema importância e tentarei responder de modo conciso e panorâmico para guardar assunto para outras postagens.


    Todos os seres vivos racionais possuem sonhos e crenças, até o mais cético possui algo em que crê. A religião vive do mistério de fé, do sagrado. O ato de banalizar a atmosfera e os elementos sacros é chamado de profanação. Do mesmo modo, o texto literário tem um objetivo, uma base. O padeiro precisa fazer os pães, o professor leciona e o escritor de textos literários escreve textos literários.


     E de que é feito o texto literário? Inicialmente, consiste numa produção artística e sendo assim, visa à própria arte, ou seja, a arte pela arte. Entretanto a "arte pela arte" é um conceito que não pode ser tomado como único, portanto, temos a função secundária da arte: expressar-se, criticar, descrever, fazer apologia, doutrinar, informar etc. Não se pode inverter as funções, a função estética deve ser a principal e primária. Se o texto literário é construído na função conotativa, a objetividade deve passar longe, pois a clareza no texto está na subjetividade, expressão figurada e criatividade. Há muitas poesias, por exemplo, que são despojadas de figuras de linguagem, são diretas demais, perdem o instinto artístico e descem para o texto não-literário. O mesmo ocorre com os outros dois gêneros literários.


     Ninguém tem obrigação de escrever bem, aliás, o ensino atual tem grande culpa, porém o abuso literário surge justamente quando o pseudo-poeta se sente superior a todos e descarta textos realmente literários. Uma experiência que vivi em janeiro de 2008 e já contei para membros aqui do blog: dois cursos na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, biblioteca temática de poesia.


     O primeiro curso foi “Poesia ao rés da rua” ministrado pelo escritor Donizetti Galvão, era sobre poesia urbana, um ótimo curso e um ótimo palestrante, entretanto os comentários de algumas pessoas e dos poetas convidados por ele me chocaram. No dia do sarau, um escritor disse arrogantemente: “Minha poesia não tem virgens e orvalhos”. Que a “poesia” dele não tinha virgens e orvalhos eu bem sabia, porém qual o problema de alguém construir uma POESIA com lirismo, que aliás é o que move a poesia? Perguntei para os poetas quais eram as influências deles e um disse: “Olha, eu não me preocupo muito com isto, aliás, é uma pergunta comum, sempre perguntam isto, sabe? Prefiro falar das influências não-literárias...” E os outros seguiram o mesmo curso. Qual o problema em falar as influências? Isto é, quando as tem, porque aquele escritor não as tinha certamente. E o que responder para aqueles que dizem que tudo já foi escrito e não há mais novidades? Basta lembrar a este ser que o ser humano é (deveria ser) racional e usar a capacidade criadora que é infinita. Isto ocorre também porque tais seres veem os clássicos como ídolos e não como fonte de inspiração. A idéia é que sejamos até melhores que os grandes autores consagrados, não para sermos melhores, mas justamente para honrarmos as lições herdadas deles, mesmo que isto pareça impossível. Escreverei mais sobre o uso dos clássicos.






      Há livros que eu critico mesmo sem ter lido, já que eles nem mesmo conseguem despertar vontade de ler. Estes livros do Dan Brown são assim, só de ver o filme “O Código da Vinci” imagino que o livro seja mais catastrófico ainda. Os livros do autor misturam fato e ficção de um modo exagerado, o que fere o bom senso, além do mais parece que tudo que há no livro é real, mas não é! Na Europa foi necessário abrir um site para mostrar o que é fato e ficção no livro “Anjos e Demônios.” Com tantos ataques à realidade, não podemos chamá-lo de texto literário, mesmo sendo uma obra de gigantesca imaginação e popularidade. Se o autor quer contestar registros históricos e dizer que Cristo e Madalena foram casados, ele que faça isto por meio de uma dissertação e não num texto que deveria ser literário. Há limites que devem ser respeitados. O problema não está na questão que é travada no filme e no livro, mas sim no fato de que uma discussão teológica e eclesiástica ofusca o brilho natural do texto literário, o foco do texto deve estar na ficção, mas não querendo contestar fatos comprovados, para isto existe o texto não-literário...


     Os livros de auto-ajuda seguem por este critério, eu nunca os li, mas já tentei mil vezes, ocorre que o título e a capa do livro detonam o leitor. O título é sempre uma pergunta óbvia como se apresentasse uma solução e a capa ridiculariza o ser humano fazendo com que nos sintamos com 2 anos de idade. Já li páginas de alguns que prometem uma felicidade que não existe. O termo “auto-ajuda” me preocupa já que “auto” significa “eu”, então auto-ajuda consistiria em uma pessoa tentando resolver sua vida sem a intervenção de mais nada, nem mesmo de um livro. Claro que devem existir livros bons neste segmento, porém é necessário ter discernimento para achá-los. Ao invés de ler coisas óbvias que lucram milhões com a desgraça alheia, o leitor pode optar pela literatura clássica. Uma mulher infeliz num namoro pode ler Madame Bovary e Anna Karenina para analisar a questão do casamento. Um rapaz decepcionado com a vida por ler “Os Sofrimentos do jovem Werther”, livro que aliás induziu muitos ao suicídio, porém entra aí um questionamento: quem nos garante que uma poesia sobre suicídio não tem a pretensão de se expressar e assim, consolar o leitor que também se encontra angustiado? A própria literatura, Nilza, já serve para orientar o ser humano. Claro que no ambiente de trabalho ou numa entrevista de emprego toda e qualquer citação destes livros é “proibida”, você diz, por exemplo, que leu José de Alencar e o selecionador julgará que você leu apenas aquilo exigido pela escola decadente. Bons mesmos são os profissionais que lêem coisas atuais para não serem ultrapassados etc etc etc e outros mil conceitos decadentes do mundo empresarial.


Nilza, você deve ter percebido os abusos, há textos, por exemplo, que são comerciais, só existem para vender e ser lidos. Textos que todos os versos são: “eu te amo, eu te amo etc” O grande Gabriel Rübinger e eu colocamos títulos diferentes em nossos textos só para sermos lidos no recanto das letras. Concordo que escritores precisam comer, pagar contas, mas é melhor terminar gloriosamente pobre e inteligente do que ter tanta besteira publicada. Infelizmente, o que acabei de apresentar é apenas uma fatia da enorme pizza de problemas que a literatura enfrenta. Espero ter respondido à sua pergunta apesar de eu ter me estendido demais ou sido conciso exageradamente.


sempre seu,
Rommel Werneck

Poesia Retrô
www.poesiaretro.blogspot.com

4 comentários:

Ronaldo Rhusso disse...

Beleza de ideia, Rommel!
Ótima iniciativa, gente fina!
O negócio é dar uma ativada no blog que já está muito legal. Parabéns! Ronaldo Rhusso

Febo Vitoriano disse...

Salve! Sim e defender a literatura. SEMPER!

Valdecy Alves disse...

Parabéns pelo blog voltado para cultura. Leia minha poesia: CANTO AO CEARÁ, selecionada para coletânea do XII Prêmio Ideal Clube de Literatura. Obra lançada no dia 21 de janeiro de 2010. Leia, comente e divulgue. Veja também meu documentário, penúltima matéria do blog: Padim Ciço, Santo ou Coronel? Meu blog: www.valdecyalves.blogspot.com

Veja documentário sobre Padre Cícero: Padim Ciço, Santo ou Coronel? E conheça um dos mais polêmicos personagens do Brasil e da América Latina, onde o messianismo é um fenômeno que responde à opressão social. Basta clicar no link: http://www.youtube.com/watch?v=Fdp5GrhEyHg

Febo Vitoriano disse...

Acessarei tudo, Valdecy! Se quiser participar do MAGNAS EPÍSTOLAS, fique à vontade...

REVIVALISMO LITERÁRIO


Poesia Retrô é um grupo de revivalismo literário fundado por Rommel Werneck e Gabriel Rübinger em março de 2009. São seus principais objetivos:

* Promoção de Revivalismo;

* O debate sadio sobre os tipos de versos: livres, polimétricos e isométricos, incluindo a propagação destes últimos;

* O estudo de clássicos e de autores da História, Teoria, Crítica e Criação Literária;

* Influenciar escritores e contribuir com material de apoio com informações sobre os assuntos citados acima;

* Catalogar, conhecer, escrever e difundir as várias formas fixas clássicas (soneto, ghazal, rondel, triolé etc) e contemporâneas (indriso, retranca, plêiade, etc.).