quarta-feira, 15 de novembro de 2023

BRINCANDO DE FAZ DE CONTA NO CORAÇÃO DO MUNDO (Edih Longo)





Apesar de mais embaixo, ele é o coração do mundo

na parte mais grossa dele, destilo minhas poesias

macacos pedem-me cachos de versos com euforia

uma arara enrosca-se no galho com o olhar profundo

 

abro um leque da palmeira de sílabas que se casam

navego no rio Negro molhando letras com unguento

oxigeno o peito e me farto dos odores que exalam

para colher versos belos e plenos de sentimento

 

escondida pela mata vejo uma linda criatura

─ a Jurema, linda índia, com calças de brim desbotadas ─

(por que deixamos nossas raízes tão banalizadas?)

Isso desbota a minha alma, dando-me triste amargura.

 

Parei para descansar à sombra de uma amendoeira

em outra fiquei feliz mascando gostosas castanhas

achegou-se um miolo de bumbá em sua roupa festeira

o rapaz versava com rima numa cantiga estranha

 

─ Dona moça, vá visitar a Virgem de Nazaré

leve os seus medos e perfume-se de banho de cheiro,

acenda as velas para ela, peça-lhe um amor verdadeiro

nossa Santa é famosa e a senhora precisa ter fé!

 

Do alto para onde fui, avistei São Luís (do Maranhão)

— A cidade brasileira fundada pelos franceses —

um dia sofreu dos holandeses uma triste invasão,

mas foi retomada e colonizada por portugueses.

 

Jamais eu me esqueceria da beleza que é Teresina

capital do Piauí, com o seu corso tão democrático

que famílias inteiras dançam, num rodopio de mágico

e a vida também vagueia como se fosse uma menina

 

Segui um caminho árido e deparei com uma carcaça

os xique-xiques tortos, (que paisagem mais antiga!)

pareciam braços secos, mas sem qualquer ameaça

e o sol batendo a pino no meio daquela caatinga.

 

Voei como um colibri procurando paragens boas

caí nos braços do Atlântico, parei em praias formosas:

cheirei Maceió, adorei Recife, amei Aracaju airosa

bebi Fortaleza, engoli Natal, comi João Pessoa,

 

descendo mais, descansei um pouco e iniciei nova rota

encontrei Salvador, baiano bom, com a cara brava

─Pensei que tinha me pulado, sua poeta idiota!

─Jamais! Atei-me em seu pelourinho e agora sou sua escrava

 

enquanto corria com entusiasmo atrás de um trio elétrico

conheci um rapaz moreno lá das bandas das Gerais

o moço era um cavalheiro, coisa que nunca é demais

além do mais ele tinha um ótimo gosto poético.

 

Minas é berço de políticos e de outros movimentos

povo simples escondidos nos silêncios de seus atos

“liberdade ainda que tardia” é um sério juramento

observo o seu Belo Horizonte e apenas colho os fatos

 

deixo quieto os Ministérios, pois deles quero distância

não leio mais semanários, fecho os olhos para a mídia

“acabou a fome, o banditismo, as doenças, toda a insídia!”

Essas notícias eu quero e as crio no meu mundo de criança.

 

Agora meu voo é rápido pela linda Goiânia

que sina dessa moça que é o solo da poesia brejeira!

A vil rampa perto dela que tanto nos rouba e engana

aboleta-se numa brasília sem freio. Olhe a carteira!

 

Eu já me retirava, quando alguém puxou minha blusa

Sou apenas um bebê, quero ouvir suas palavras com calma

─ Tocantins, você merece não só palavras... Mas palmas!

Acarinhei seus cabelos e dele fiquei reclusa.

 

nasceu outro dia, vive no peito de um gigante adormecido

anda sem vacilar e não dá a ninguém nenhum cuidado

não se envolva com futrica, será sempre um filho amado

nasceu de um excelente estado, será um dia reconhecido

 

como em um parque infantil escorrego em uma montanha

os bichos coloridos fazem para mim uma festa

que aproveito a beleza que Deus agora me empresta

acaricio todos, sentindo harmonia tão tamanha


pois, Campo Grande é a própria imagem que ao seu nome se emposta

Capital do Mato Grosso, o do Sul, com sua fauna e flora.

Cuidando de sua árvore de cuias e do índio que ela adora,

o do Norte, capital Cuiabá[1], é uma mulher de quem se gosta.

 

Naveguei no Paraná, peguei um barco e curitibei

suguei aquela organização, que santa felicidade!

Saboreei vários pratos, com arame me operei

cheguei cansada e aportei numa alegre comunidade

 

o Rio Grande do Sul me esperava com sua cuia de mate

trouxe churrasco do bom e tropeiro numa terrina

subi o Guaíba para abraçar a loira Catarina

fisgou esse coração andarilho que ora é abrigo de vate

 

a bela possui dois filhos: o continente e a ilha

surfei com Joaquina e Consolação, amei Florianópolis

descansada, finquei pé no caminho mudando a trilha

preciso conhecer e acariciar as demais metrópoles.

 

Subi na quina do tempo que me jogou num abraço

senti tanto aconchego que me esqueci das mazelas

e o Cristo entristecido ao ver sua cidade numa cela

abraçava-me alegre, tirando-me todo o cansaço

 

purifiquei o meu espírito e resoluta fui à Vitória

todos lugares que passei, vi o meu povo cabisbaixo

apelei ao Espírito Santo e corri para o fim da história

enchendo-me de poesia e mais uma oração encaixo

 

minha viagem acabei. Sentia um misto de alegria e angústia

respirei cultura no Masp, Paulista eu me vesti

fiquei fora algumas horas, qual o filme que não vi?

Bandeirantes desfilavam na Avenida, houve uma denúncia.

 

Acabaram-se as desgraças, o povo está liberto.

Só há político honesto, temos renovada esperança:

nas ruas não há mendigos, nossos portões estão abertos;

as cadeias viraram casas; só Deus é a nossa crença:

 

 

não há desempregados; mesa sem pão; não há viatura.

A polícia cuida do povo que anda tranquilo mal o dia desponta

há casais sob o luar e a vida anda na maior desenvoltura

guardei essas expectativas em um mundo do faz de conta

 

lamento que tudo tenha sido um sonho tão almejado!

Quando o mundo crer que aqui bate forte seu coração

dar-nos-á loas, porque ainda somos dele o pulmão,

e acredito que um dia verei esse País idealizado.

 

FIM



[1]- Cuiabá – uma das versões da origem do nome é que os frutos das cuieiras que são grandes e ovoides, quando secos, os indígenas usam como vasilhas. Costume preservado até hoje, principalmente, pelos sertanejos do Nordeste brasileiro.

 

Fazendo jus ao nome artístico da poetisa, este poema longo em versos livres é uma alusão épica pela extensão e pela carga poética do tema brasileiro. Encontra-se na III E-Antologia de Poesia Retrô que você pode baixar AQUI


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Poesia Retrô é um grupo de revivalismo literário fundado por Rommel Werneck e Gabriel Rübinger em março de 2009. São seus principais objetivos:

* Promoção de Revivalismo;

* O debate sadio sobre os tipos de versos: livres, polimétricos e isométricos, incluindo a propagação destes últimos;

* O estudo de clássicos e de autores da História, Teoria, Crítica e Criação Literária;

* Influenciar escritores e contribuir com material de apoio com informações sobre os assuntos citados acima;

* Catalogar, conhecer, escrever e difundir as várias formas fixas clássicas (soneto, ghazal, rondel, triolé etc) e contemporâneas (indriso, retranca, plêiade, etc.).