Foto by Marcos Pezão
Saudações, Ilustre Plêiade e Leitores!
Segue abaixo meu texto sobre esta prática tão bela retomada no meio literário.
A POESIA
Apolo - Charles Garnier
A poesia é o gênero literário em que a expressão do estado da voz lírica se encontra num tempo presente que não foi passado e nem será futuro, o Presente Eterno, ou seja, a vitória da atemporalidade sobre os ruídos destruidores do tempo. Para isto acontecer, é necessário que o escritor selecione bem as palavras e emita sua mensagem de modo indireto e subjetivo, ou seja, o texto precisa ser construído racionalmente e com a graciosidade estética que exige.
Sendo o texto literário de uma construção diferente dos nossos diálogos cotidianos e de textos como bula de remédio, reportagem jornalística etc, convém que a recitação literária também seja decorada esteticamente por entonações, gestos, fundo musical etc, afinal, a leitura de uma notícia de jornal em voz alta é muito diferente da leitura de um soneto de Camões no mesmo tom de voz.
TIPOS DE DECLAMAÇÃO
Estas são orientações simples e pessoais que decidi expor aqui, mas que desmitificam lendas literárias das teorias do achismo. A regra geral é ler com confiança seguindo a pontuação, dando um tom artístico conforme pede o poema e, para isto, temos que ter o domínio do conteúdo e da forma também, afinal, ler um rondel é diferente de um soneto já que o primeiro apresenta refrão etc.
DECLAMAÇÃO SIMPLES
Com a intensa propagação e oficialização da poesia marginal, surgiu o mito de que a declamação simples lida é errônea, ultrapassada e sem graça. Afirmar isto seria o mesmo que dizer que os versos regulares também são ultrapassados e todos sabem que nossa luta é contra isto!
Uma declamação simples não consiste em ler em voz alta um poema somente, a graciosidade está na adoção de uma voz dramática para o texto assim como expressões faciais e gestos coerentes que são muito bem-vindos. O declamador lê na frente de todos, mas entoa como se estivesse cantando para si mesmo publicamente. Em um segundo, é possível ler o verso e declamar parte dele olhando para a assistência já que parte dele foi decorada. Pode-se utilizar uma pasta ofício, um livro ou mesmo um pedaço de papel na mão ou mesmo posicionados num ambão, a outra mão pode ficar com o microfone ou fazendo alguns gestos no caso de microfone no pedestal.
Para este tipo de leitura não são recomendados textos longos, pois seria muito cansativo para o espectador. O declamador não precisa utilizar uma vestimenta ou maquiagem toda especial, pode estar apenas um pouco estiloso por estar num sarau.
DECLAMAÇÃO DECORADA
André Priori declamando sem ler e gesticulando no II Poesia ou Morte!
Consiste em declamar um texto sem ler o que permite mais gesticulação e expressão facial. Recitar um poema decorado sem expressão nenhuma é o mesmo que fazer uma leitura ruim, pois o que merece destaque não é o simples ato de ter decorado o texto e recitar sem ler, o que importa é que decorando pode-se utilizar uma postura mais expressiva. Textos longos são bem-vindos.
DECLAMAÇÃO CÊNICA
Trata-se do caso anterior em um degrau a mais. Tudo que for utilizado para solenizar sua performance deve ter uma razão, regra que, aliás, já serve lá para os outros tipos. A declamação pode ser lida (desde que o ato de ler seja proposital) ou decorada como ocorre com mais freqüência. Pode-se utilizar uma música de fundo, um figurino especial, uma entrada silenciosa ou musical, mesclar-se dança, recitar em grupo etc
Esta forma de recitação é perfeita para textos longos, teatrais ou que contenham diálogo, alegorias etc, pois não cansará o público e será uma bela união entre poesia e o gênero dramático e também com as outras artes, como a dança e a moda, além do mais, poemas longos permitem uma entrada triunfal, música de fundo e vários recursos que um poema curto como hai-cai não permite, afinal, não é agradável ver uma pessoa encenar um poema curtíssimo, porque nem temos o tempo de sentir a intensidade do texto e a dramaticidade exposta.
Claro que é possível realizar algo cênico com hai-cais e afins, mas evita-se a maioria dos recursos como sonoplastia, figurino etc. Por texto longo, entende-se algo a partir do tamanho de um soneto (14 versos), uma vez que a declamação cênica pode ser mais lenta para dar espaço aos gestos, movimentações e profundidade do poema.
OBSERVAÇÕES
-Antes de declamar, convém identificar o texto com o autor e o título. A etapa citada pode ser em forma dialogada em casos de uma comunidade literária pequena, porque é uma forma de contar como se chegou ao texto, Uma auto-apresentação também pode acontecer, mas há a opção de realizá-la entre o primeiro e o segundo texto ou mesmo no fim. Termina-se a leitura fazendo um gesto, aceno de cabeça, transformação do tom da voz etc ou dizendo o nome do autor.
- Alguns afirmam que deve haver uma compatibilidade do poema com o declamador, é a crença de que o declamador deve concordar em gênero, número e grau com o poema, portanto, uma mulher não poderia ler um texto de eu lírico masculino, nem uma pessoa jovem recitar um texto de um eu lírico aparentemente mais velho etc Realmente, soa estranho quando não há tal relação, entretanto, se um escritor homem pode escrever como se fosse eu lírico feminino assim como acontecia na Idade Média, por que não podemos hoje declamarmos um belo poema independente do eu-lírico ser isto ou aquilo? Nestes casos o declamador pode deixar a voz um pouco mais aguda e a declamadora pode deixar mais grave e séria, é uma forma de neutralizar quem declama.
- Embora em desuso, mas nunca abolida, a prática de bater os pés nas sílabas fortes é muito criativa, didática e em excelente caimento para todos os tipos citados acima. Ela tem origem nos poetas antigos que seguiam o sistema greco-latino de metrificação denominado pé justamente por esta razão. Agora em que estão considerando ultrapassada a regularidade métrica, creio que não há nada mais pedagógico e cultural que bater os pés nas declamações de sonetos na 6ª e 10ª sílabas, por exemplo, caso dos heróicos, porque é uma forma de mostrar a autenticidade dos versos regulares.
- Talvez, o tipo de verso mais fácil de errar é aquele que contém o cavalgamento, recurso poético também denominado enjambement e encadeamento, que consiste em transferir a parte final da construção sintática para o verso posterior por razões métricas e rítmicas. Observe:
“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.”
E triste, e triste e fatigado eu vinha.”
Olavo Bilac
Neste caso, leríamos sem deixar pausa. A pausa, nós utilizamos entre as estrofes e os símbolos de pontuação.
- Além das observações expostas acima, vale lembrar que é interessante conhecer e compreender o texto antes de ler em público, eliminar as dúvidas etc.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Declamar em saraus é uma prática maravilhosa que merece criatividade, dedicação e lirismo. Seria muito interessante se, em eventos não-literários, existisse uma ou outra declamação como parte da abertura assim como já se faz com a dança, por exemplo, em bailes de formatura, debutante, casamentos, dever-se-ia pensar mais na possibilidade de executar performances literárias bem cuidadas em tais situações.
Divirta-se!
3 comentários:
Belo ensaio, Rommel! Deveria escrever um ensaio sobre o romantismo... Um abraço.
Hahahaha! Já temos um, só que foi escrito por três pessoas:
- Eu, poeta gótico-sacro;
- Alexandre Tambelli, neoparnasiano
e Amanda Vital, escritora de 14 anos e esposa do fundador de nosso blog, o sublime Gabriel Rübinger.
versus
Laura Bacellar, defensora dos livros vendíveis!
Clica lá no marcador ABUSOS LITERÁRIOS pra vc ver, rir e chorar
Este tutorial foi escrito por ocasião do primeiro picnic vitoriano de Florianópolis onde nossa grande amiga e seguidora, Mme Mean declamará um soneto meu.
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