Por Rommel Werneck
Religião e Literatura sempre estiveram interligadas e no século XVI não poderia ser diferente: Elizabeth I, autoridade suprema da Igreja Anglicana, foi glorificada pelo poeta Edmund Spenser no longo poema The Fairie Queene (A Rainha das Fadas) onde há várias alegorias e alusões aos confrontos religiosos daquela época.
A epopeia está estruturada em oito livros que se dividem em doze cantos cada (originalmente Spenser intencionava escrever doze livros). Cada canto abrange várias nonas (estrofes de nove versos). Os oito primeiros versos são pentâmetros iâmbicos (lilás) enquanto o nono verso está hexâmetros iâmbicos (verde). O esquema rimático é ABABBCBCC. Destaque à estrofe inicial do Canto II do Book I:
Right well I wote most mighty Soueraine,
That all this famous antique history,
Of some th'aboundance of an idle braine
Will iudged be, and painted forgery,
Rather then matter of iust memory,
Sith none, that breatheth liuing aire, does know,
Where is that happy land of Faery,
Which I so much do vaunt, yet no where show,
But vouch antiquities, which no body can know.
Este esquema passou a ser chamado de estrofe spenseriana e foi adotado em outros textos de outros autores, dentre eles Lord Byron em Childe Harold's Pilgrimage. Obviamente a nona spenseriana tem inspiração na oitava rima que é baseada na estrofe oitava (oito versos) e na rima real de Chaucer, por sua vez baseada na septilha (sete versos). Trata-se de uma estrofe heterométrica já que o nono verso não terá dez sílabas como os demais.
O espanhol José María Blanco White e o theco Jaroslav Vrchlický cultuaram a forma. A nona spenseriana é mencionada nos dois principais tratados de língua inglesa: Elements and Science of English Versification (p.89) e Rules for Making English Verse, a Practical Guide to English Versification (p.39-42) sendo que, neste último, Tom Hood cita um exemplo de seu pai (Thomas Hood).
Convém não confundir o assunto desta postagem com o soneto spenseriano, trata-se da composição de quatorze versos em um esquema rimático diferente do soneto convencional...
Apesar de constituir definição no Dicionário de Termos Literários de Massaud Moisés (p.209-2010) e ser citada em Teoria Literária de Hênio Tavares (p.205), não parece haver exemplos em língua portuguesa.
Meu exemplo pessoal em pentâmetros iâmbicos e hexâmetro iâmbico:
SONHO AZUL
Estrofe spenseriana
Cheguei de noite, estavas lá dormindo,
Em teu lençol de seda, à luz da Lua,
Com tua carne fresca, o corpo lindo ,
Pensei: quem sabe acordas bela e nua
E aceitas meu pedido, a prece crua,
Mas tenho medo, o mau desprezo escuro...
Voltei a meu passado, ao carro à rua...
Mas, antes dei-te à mão um beijo puro,
Talvez serei o sonho azul de teu futuro...
Sabemos que o pentâmetro iâmbico e o hexâmetro iâmbico são muito difíceis em língua portuguesa, por isso escrevi uma estrofe spenseriana em martelo e alexandrino:
DONZEL...DECENTE
Estrofe spenseriana
Beijos longos: satânica ilusão
Que perigos circundam castidades
E que abismos incitam perdição?
Mãos velozes: salazes potestades
Que violam sagradas virgindades!
Devagar... te pedi discretamente
Aos momentos cruéis que me invades:
Não me beijes de modo tão ardente
Pode não parecer, mas sou donzel...decente!
BIBLIOGRAFIA
HOOD, Tom. Practical Guide to English Versification. Londres: John Hogg, Patternoster Row, 1877. In: https://www.gutenberg.org/files/51873/51873-h/51873-h.htm Acesso a 13.set.2023
JONES, William Caswell. Elements and Science of English Versification. Buffalo: The Peter Paul Book Company, 1897.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 6a ed. São Paulo: Cultrix, 1992
TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 6a ed. revista e atualizada. Belo Horizonte: Itatiaia, 1978
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